“A visão artística não é uma visão passiva que recebe e registra a impressão das coisas. É uma visão construtiva e somente pelos atos construtivos, descobrimos a beleza das coisas naturais. O senso de beleza é a susceptibilidade às formas da vida dinâmica e, essa vida dinâmica não pode ser apreendida, a não ser por um processo dinâmico estabelecido em nós mesmos.”
Ernst Cassirer
Quando
me convidaram para escrever este artigo sobre arte contemporânea, pensei: - “Como passar para um texto, algo que em sua
essência deva ser sentido? Comentar sobre experiências
que vão do incômodo à perplexidade, da repulsa
ao encanto?”- e me
debrucei sobre o tema na tentativa de tocá-los com palavras que os levassem a
viver esta arte, tão atual e causadora de desconforto à maioria de quem as
olha.
Aí
talvez se encontre o primeiro ponto a ser observado. A diferença entre olhares.
Não quero aqui me desviar, mas vale uma reflexão já que para apreciar uma obra
de arte contemporânea devemos estar abertos às diferenças, tolerantes aos
incômodos; dispostos aos afetos que ela nos remete, pois tudo o quê
experimentamos diante desse tipo de arte já se encontra dentro de nós. O
significado da obra depende da experiência induzida ao espectador. O discurso artístico somente se realiza quando é decifrado
pelo público.
O
curador e crítico de arte, Fernando Cocchiarale – nos dá uma dica quando diz
que habituamos a pensar a arte como algo muito diferente da vida, dela separada
pela moldura e pelo pedestal. Assim, a idéia de uma arte que se confunda com a existência
torna-se difícil de assimilar porque temos nosso repertório formado por muitos
traços conservadores.
Arte
contemporânea é isto. É emoção, sentimento, dança de olhares e sentidos os
quais não participamos sozinhos. Diante dela corremos os mesmos riscos que estamos
sujeitos ao viver. Talvez isso justifique tanto receio.
Voltando
ao assunto...
É
a arte do nosso tempo. Marcada pela quebra de padrões, pela liberdade total de
criar, representar e propor situações pela pesquisa e uso das novas tecnologias
e de novas formas de pensar. Novas linguagens artísticas são desenvolvidas –
instalação, fotografia, vídeoarte, holografia, som, computador,
vídeo-instalação, assemblage, performance, body art, arte digital, performance,
arte eletrônica, web Arte, cinema, entre outras. É a arte que se aproxima da vida. Nela tudo
pode ser incorporado. O espectador é provocado e convidado
às mais variadas reflexões. O artista além de ser um criador, passa a ser um propositor
de idéias e experiências.
A
característica da arte contemporânea é a multiplicidade de expressões. Ela se
integra a ironia, beleza, política, feiúra, sensações, percepções, e até ao
próprio corpo. Tudo pode ser material artístico, que varia da tinta a palavra,
da pedra ao movimento, e incorporam em diferentes momentos, todo o tipo de
fenômeno físico, químico ou biológico. Na Arte contemporânea o espectador deixa
de ser um contemplador passivo do estético para se tornar um agente
participante, um leitor ativo de mensagens. Muitas vezes a obra só se realiza
na sua presença e com a sua participação.
A
pluralidade permite uma multiplicidade nunca antes vista neste campo. Pensemos
então no “deixar surgir” que abaliza as manifestações contemporâneas. Vale dizer
que “deixar surgir” não despreza um amplo e sólido conhecimento. A criatividade necessita estar aliada à
habilidade, ou seja, não basta fazer, é preciso fazer bem feito juntando
intenção e ação com talento. Daí a necessidade
de explicar o fenômeno artístico como o resultado da interação, em maior ou
menor grau, das forças de um tripé entre a intenção - vontade e desejo de criar;
a ação - capacidade técnica de realizar uma obra; e a coragem - disposição de
exibir e mostrar aquilo que se quis fazer e o que, de fato, se realizou.
A
arte não precisa mais ser eterna, nem feita para perdurar. O efêmero, o
momento, a passagem do tempo; marcam boa parte das obras. Aqui vale outra pausa
para refletirmos sobre o efêmero na vida. Nada mais difícil do quê pensar a
efemeridade em nós e, nada mais certo que isto. Arte é vida? Vida é arte?
Continuando...
Obras
efêmeras são criadas fazendo-nos pensar sobre o conceito de obra-prima, aquelas que permanecem. Obras
que se consomem no tempo, como as performances,
prosseguem apenas nos registros - fotografia ou vídeo. Estes tomam seu lugar como agentes nos
espaços expositivos.
É
neste cenário, pelas variadas possibilidades e pela deformação que ocorre em
seu sentido, que comentarei sobre a fotografia como a expressão artística no
universo contemporâneo.
Decompondo
a palavra fotografando temos:
Foto = luz
Grafando = escrevendo
Sendo
pelo olhar que entro na luz e por ele recebo seu efeito, podemos pensar que a
essência da ação de fotografar e seu resultado, a imagem, são poesias escritas
com luz; apanhadas pelo visível poético possível aos que se permitem viver na
plenitude que não anula as divergências, mas ao contrário, apesar da angústia,
seguem adiante.
A
fotografia não está fechada apenas ao registro de cenas. Por ser um meio de
expressão ela se prestou a investida puramente estética. Entretanto, a imaginação criadora vai além,
nos mostrando que a imagem fotográfica não pode ser apreendida apenas por este
viés.
A
deformação por meio das variadas possibilidades técnicas, químicas, digitais ou
ópticas pode gerar abstração, alteração visual ou conceitual da ordem natural
dos objetos ou elementos visuais, definindo novas realidades pela criação
imaginativa. Ela não deixa de ser um instante captado pelo autor, registro
visual de sua atividade criativa; porém, torna-se uma manifestação artística em
si mesma.
A
arte na contemporaneidade deve ser pensada como processo iniciador. Aquele
ponto de partida para repensar e refletir sobre a vida e sobre a própria arte.
A
pesquisa e o uso de materiais inusitados a mudaram. Ela continua histórica e disso não devemos nos
esquecer, mas cada vez mais ela se apresenta circulante e rompendo paradigmas. Interagindo em
diálogos, interfaces e trocas, muitas vezes até fora dos espaços próprios para
isto, em uma total convergência.
Todavia devemos ter em mente, que o motor da criação é o ser humano. Aceita essa afirmação, qualquer meio pode ser usado para se fazer arte.
Qualquer técnica pode ser usada pelo artista ao passar a mensagem desejada.
Arte
contemporânea é vida. Às vezes instiga, às vezes aflige. Porém nunca deixará de
ser original e criativa.
Vanessa Caldeira Teixeira Reis
Artes Visuais: Cultura e Criação
Arte, educação e tecnologias contemporâneas
(Artigo publicado na revista Acadêmica - Edição comemorativa 1960-2010 - AVLAC)