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quarta-feira, 26 de março de 2014

Um olhar sobre a Arte contemporânea


“A visão artística não é uma visão passiva que recebe e registra a impressão das coisas. É uma visão construtiva e somente pelos atos construtivos, descobrimos a beleza das coisas naturais. O senso de beleza é a susceptibilidade às formas da vida dinâmica e, essa vida dinâmica não pode ser apreendida, a não ser por um processo dinâmico estabelecido em nós mesmos.”  
 Ernst Cassirer

Quando me convidaram para escrever este artigo sobre arte contemporânea, pensei: - “Como passar para um texto, algo que em sua essência deva ser sentido? Comentar sobre experiências que vão do incômodo à perplexidade, da repulsa ao encanto?”- e me debrucei sobre o tema na tentativa de tocá-los com palavras que os levassem a viver esta arte, tão atual e causadora de desconforto à maioria de quem as olha.

Aí talvez se encontre o primeiro ponto a ser observado. A diferença entre olhares. Não quero aqui me desviar, mas vale uma reflexão já que para apreciar uma obra de arte contemporânea devemos estar abertos às diferenças, tolerantes aos incômodos; dispostos aos afetos que ela nos remete, pois tudo o quê experimentamos diante desse tipo de arte já se encontra dentro de nós. O significado da obra depende da experiência induzida ao espectador. O discurso artístico somente se realiza quando é decifrado pelo público.

O curador e crítico de arte, Fernando Cocchiarale – nos dá uma dica quando diz que habituamos a pensar a arte como algo muito diferente da vida, dela separada pela moldura e pelo pedestal. Assim, a idéia de uma arte que se confunda com a existência torna-se difícil de assimilar porque temos nosso repertório formado por muitos traços conservadores.

Arte contemporânea é isto. É emoção, sentimento, dança de olhares e sentidos os quais não participamos sozinhos. Diante dela corremos os mesmos riscos que estamos sujeitos ao viver. Talvez isso justifique tanto receio.

Voltando ao assunto...

É a arte do nosso tempo. Marcada pela quebra de padrões, pela liberdade total de criar, representar e propor situações pela pesquisa e uso das novas tecnologias e de novas formas de pensar. Novas linguagens artísticas são desenvolvidas – instalação, fotografia, vídeoarte, holografia, som, computador, vídeo-instalação, assemblage, performance, body art, arte digital, performance, arte eletrônica, web Arte, cinema, entre outras.  É a arte que se aproxima da vida. Nela tudo pode ser incorporado. O espectador é provocado e convidado às mais variadas reflexões. O artista além de ser um criador, passa a ser um propositor de idéias e experiências.

A característica da arte contemporânea é a multiplicidade de expressões. Ela se integra a ironia, beleza, política, feiúra, sensações, percepções, e até ao próprio corpo. Tudo pode ser material artístico, que varia da tinta a palavra, da pedra ao movimento, e incorporam em diferentes momentos, todo o tipo de fenômeno físico, químico ou biológico. Na Arte contemporânea o espectador deixa de ser um contemplador passivo do estético para se tornar um agente participante, um leitor ativo de mensagens. Muitas vezes a obra só se realiza na sua presença e com a sua participação.

A pluralidade permite uma multiplicidade nunca antes vista neste campo. Pensemos então no “deixar surgir” que abaliza as manifestações contemporâneas. Vale dizer que “deixar surgir” não despreza um amplo e sólido conhecimento.   A criatividade necessita estar aliada à habilidade, ou seja, não basta fazer, é preciso fazer bem feito juntando intenção e ação com talento.    Daí a necessidade de explicar o fenômeno artístico como o resultado da interação, em maior ou menor grau, das forças de um tripé entre a intenção - vontade e desejo de criar; a ação - capacidade técnica de realizar uma obra; e a coragem - disposição de exibir e mostrar aquilo que se quis fazer e o que, de fato, se realizou.

A arte não precisa mais ser eterna, nem feita para perdurar. O efêmero, o momento, a passagem do tempo; marcam boa parte das obras. Aqui vale outra pausa para refletirmos sobre o efêmero na vida. Nada mais difícil do quê pensar a efemeridade em nós e, nada mais certo que isto. Arte é vida? Vida é arte?

Continuando...

Obras efêmeras são criadas fazendo-nos pensar sobre o conceito de obra-prima, aquelas que permanecem. Obras que se consomem no tempo, como as performances, prosseguem apenas nos registros - fotografia ou vídeo.  Estes tomam seu lugar como agentes nos espaços expositivos.

É neste cenário, pelas variadas possibilidades e pela deformação que ocorre em seu sentido, que comentarei sobre a fotografia como a expressão artística no universo contemporâneo.

Decompondo a palavra fotografando temos:

Foto = luz
Grafando = escrevendo

Sendo pelo olhar que entro na luz e por ele recebo seu efeito, podemos pensar que a essência da ação de fotografar e seu resultado, a imagem, são poesias escritas com luz; apanhadas pelo visível poético possível aos que se permitem viver na plenitude que não anula as divergências, mas ao contrário, apesar da angústia, seguem adiante. 

A fotografia não está fechada apenas ao registro de cenas. Por ser um meio de expressão ela se prestou a investida puramente estética.  Entretanto, a imaginação criadora vai além, nos mostrando que a imagem fotográfica não pode ser apreendida apenas por este viés.

A deformação por meio das variadas possibilidades técnicas, químicas, digitais ou ópticas pode gerar abstração, alteração visual ou conceitual da ordem natural dos objetos ou elementos visuais, definindo novas realidades pela criação imaginativa. Ela não deixa de ser um instante captado pelo autor, registro visual de sua atividade criativa; porém, torna-se uma manifestação artística em si mesma.

A arte na contemporaneidade deve ser pensada como processo iniciador. Aquele ponto de partida para repensar e refletir sobre a vida e sobre a própria arte.

A pesquisa e o uso de materiais inusitados a mudaram.  Ela continua histórica e disso não devemos nos esquecer, mas cada vez mais ela se apresenta circulante e rompendo paradigmas. Interagindo em diálogos, interfaces e trocas, muitas vezes até fora dos espaços próprios para isto, em uma total convergência. Todavia devemos ter em mente, que o motor da criação é o ser humano. Aceita essa afirmação, qualquer meio pode ser usado para se fazer arte. Qualquer técnica pode ser usada pelo artista ao passar a mensagem desejada.

Arte contemporânea é vida. Às vezes instiga, às vezes aflige. Porém nunca deixará de ser original e criativa.
Vanessa Caldeira Teixeira Reis
Artes Visuais: Cultura e Criação
 Arte, educação e tecnologias contemporâneas
(Artigo publicado  na revista Acadêmica - Edição comemorativa 1960-2010 - AVLAC)

domingo, 24 de novembro de 2013

Contradição


Quanto maior a sensibilidade, maior o martírio – um grande martírio”.
Leonardo Da Vinci
Podemos entender essa frase como uma bela metáfora para contradição. Apreender este conceito é compreender a essência de que opostos mantém sentidos em sua relação mútua.
O filósofo francês Jacques Derrida a definiu como “nada pode ser e não ser ao mesmo tempo”.  Entretanto em seus escritos filosóficos encontramos reflexões acerca da desconstrução aliada à contradição que, ao compreendermos essa dinâmica, estamos desvelando os reflexos conceituais, as seqüências e associações de idéias que precedem e condicionam os pensamentos, operando como o inconsciente que fala “apesar de”. 
No texto de Washington Lessa, quando ele escreve sobre a contraposição dos ideais modernistas de unidade, clareza, simplicidade e harmonia as categorias de riqueza, ambigüidade, contradição e redundância, lemos: “é importante destacar que essas iniciativas se colocam como movimentos-manifestos, similares, de certo modo, aos movimentos artísticos de vanguarda. E, ao mesmo tempo, isto vem abrir espaço para o desenvolvimento de poéticas autorais particulares, voltadas para questionamentos próprios da prática artística”.
Diante dessa afirmação, podemos pensar a contradição como conceito que produz sentidos bastante flexíveis e ágeis na sua capacidade de articular referências culturais variadas, resultando em obras inventivas e criativas.
Em a Persistência da Memória de Salvador Dali, 1931, a imagem de relógios se derretendo induz à tentativa de resolver a questão dos opostos sonho e realidade.  Ao tentar resolver esses contrapontos o artista se afasta da realidade que deseja provar. A função de contar o tempo não importa mais, pois a temporalidade é mais do que mostra os ponteiros. Torna-se  uma experiência maior, que envolve os sentimentos humanos de cada indivíduo.   
No Trenzinho de Mira Schendel, 1966, a contradição pode ser observada entre a delicadeza estética e a força da mensagem ou entre a leveza do papel e o peso físico de um trem.  Segundo a historiadora da arte Maria Eduarda Marques, as séries de trabalhos de Mira, nas quais surgiu esta obra, representam uma intenção desmistificadora  diante do mercado e da institucionalização da arte. São trabalhos que descritos nas palavras da própria artista, estão em oposição ao permanente e ao possível. 
O Bicho de Lygia Clark, 1960, obra que faz parte da série que inspirou Ferreira Gullar a desenvolver a Teoria do Não Objeto - onde ele cita que não são quadros, nem esculturas, nem objetos utilitários - está no conceito, pois é arte apesar de se realizar fora do que é convencionalmente definido como artístico. Ela rompeu com a noção de espaço pictórico e explorou a integração das obras com o espaço real.  Revolucionou o antigo conceito de que as obras de arte eram feitas apenas para a contemplação passiva, dando início a uma forma de arte onde se exigia a participação do espectador.
Segundo o crítico de arte Octávio Paz, na obra A Roda de Bicicleta de Marcel Duchamp, 1913, a contradição surge como essência do ato - “é o equivalente plástico do jogo das palavras: este destrói o significado, aquele a idéia de valor.” Gratuitamente o gesto do artista criava a obra de arte e, ao mesmo tempo, desfazia esta noção.
É curioso notar que se levarmos em conta a origem da palavra arte -"ars" técnica ou habilidade -, é contraditório quando artistas não usam suas aptidões técnicas para expressarem suas idéias. Mesmo as possuindo eles preferem discutir outras questões, provocar outras reflexões.

sábado, 23 de novembro de 2013

OSTRANENIE


“...e, ainda assim, esse conhecimento não diminui em nada a impressão de estranheza. A teoria da incerteza intelectual é, assim, incapaz de explicar aquela impressão.” Sigmund Freud - 1919

Em seu ensaio DAS UNHEIMLICHE de 1919, Freud descreve o “estranhamento” como percepção, um sentimento, um fenômeno.  Em 1917 Viktor Chklavski publicou Iskusstvo kak priem, A Arte Como Processo, onde cita o Ostranenie – “estranhamento”. Provavelmente, apesar da proximidade temporal, eles nunca souberam dessa afinidade. Ambos trataram da suspensão do sentido habitual de um objeto. Ambos contribuíram para construção da ciência da estética e trataram o procedimento estético como único; aquele que não se repete. Suas concepções vigoram até a atualidade.
Em a Obra Aberta, Umberto Eco desenvolve a idéia que quem interpreta a mensagem deve se questionar sobre a flexibilidade, potencialidades, códigos, linguagem, entre outros. Seria a auto-reflexibilidade, que se manifesta quando o destinatário volta à obra para (re)significá-la com sua própria visão de mundo.
A esse efeito da comunicação estética ele chama de “estranhamento”, efeito cujo objetivo é dar sensação do objeto como visão e não como reconhecimento. Ele consiste em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e duração da percepção. A essência desse fenômeno seria o emprego de um ponto de vista novo ou “estranho”, a respeito de algo já conhecido, mas descrito como se fosse pela primeira vez. Entretanto, para Umberto Eco a mensagem estética vai além da contemplação interpretativa. Ela adquire um caráter inventivo, justamente a partir desse “estranhamento”.
O “estranhamento” seria então esse efeito especial criado pela obra para nos distanciar em relação ao modo comum como apreendemos o mundo e ela mesma, o que nos permitiria entrar numa dimensão nova, só visível pelo olhar estético ou artístico.
Em o Retorno à razão de Man Ray, 1923, imagens resultantes da livre experimentação e estudos feitos da versão cinematográfica dos fotogramas têm como objetivo a execução de um trabalho fora das convenções. A seqüência desconexa causa o “estranhamento” assim como a técnica, que consegue gerar imagens de forma não usual. Desta maneira temos alterações no modo de apreensão do cinema e de sua função.
Na obra Os dois convidados de Maurice Tabard, 1935, somos
apresentados a uma imagem abstrata com características da abstração informal; com suas formas livres, irregulares e imprevistas.  Nesta técnica o fotógrafo trabalhou com o efeito surpresa já que não tinha como controlar o resultado. Ao apreciarmos essa imagem ela nos causa “estranhamento”, pois se não fosse o próprio título sugerir dois objetos, o que teríamos visto? Como toda obra de influência surrealista, traços do inconsciente surgem tanto em quem cria quanto em quem aprecia.
O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene, 1919, carrega uma estética toda causadora de “estranhamento”. Imagens escuras, tomadas distorcidas, cenários imaginados, ambientação sufocante, contrastes bruscos. Não bastasse isso, a atmosfera carregada de angústia revela outro ângulo pelo qual apreendemos “estranhamento”; o lado da dimensão humana com a solidão, visão distorcida de mundo e desvios psicológicos dos personagens.
Em a Distorção No. 40 de André Kertész, 1923, temos as sensações apreendidas nas salas dos espelhos com as imagens que surgem desses reflexos. Atração muito comum em parques de diversões antigos. Essa obra é o resultado de experiências do fotógrafo sobre as formas geradas por esses espelhos.  Também de inspiração surrealista, os reflexos inusitados dessa obra - que faz parte da série de nus feita pelo artista - nos transportam a outro lugar. As expectativas ao observá-la não correspondem ao senso comum. Uma linguagem realista subverte a imagem real e a coloca em outra posição.
O filme dadaísta Entr’acte de Renê Clair, 1924,“causa” em nós quando também, altera a posição do objeto. A bailarina dançando se apresenta por um ângulo não comum, lembrando um ser marinho. As tomadas se alternam em focos variados; velocidade intercala com suavidade e delicadeza e, culmina com o impacto da face barbada. Estranho... Muito estranho. No entanto, dadaísta e irônico tal qual uma bizarrice circense.
Em qualquer dos casos o “estranhamento” é essa forma singular de ver e apreender o mundo e aquilo que o constitui.  Neste ponto encontramos as manifestações artísticas e seus procedimentos, desafiando e transformando idéias pré-concebidas e introduzindo novas formas de expressão.