“Quanto maior a sensibilidade, maior o martírio – um grande martírio”.
Leonardo Da Vinci
Podemos entender
essa frase como uma bela metáfora para contradição. Apreender
este conceito é compreender a essência de que opostos mantém sentidos em sua
relação mútua.
O filósofo francês Jacques Derrida a definiu como “nada
pode ser e não ser ao mesmo tempo”. Entretanto
em seus escritos filosóficos encontramos reflexões acerca da desconstrução aliada
à contradição que, ao compreendermos essa dinâmica, estamos desvelando os
reflexos conceituais, as seqüências e associações de idéias que precedem e
condicionam os pensamentos, operando como o inconsciente que fala “apesar
de”.
No texto de Washington Lessa, quando ele escreve sobre a contraposição dos ideais modernistas de unidade, clareza, simplicidade e harmonia as
categorias de riqueza, ambigüidade, contradição e redundância, lemos: “é importante
destacar que essas iniciativas se colocam como movimentos-manifestos,
similares, de certo modo, aos movimentos artísticos de vanguarda. E, ao mesmo
tempo, isto vem abrir espaço para o desenvolvimento de poéticas autorais
particulares, voltadas para questionamentos próprios da prática artística”.
Diante dessa
afirmação, podemos pensar a contradição como conceito que produz sentidos
bastante flexíveis e ágeis na sua capacidade de articular referências culturais
variadas, resultando em obras inventivas e criativas.
Em a Persistência
da Memória de Salvador Dali, 1931, a imagem de relógios se derretendo induz à tentativa
de resolver a questão dos opostos sonho e realidade. Ao tentar resolver esses contrapontos o
artista se afasta da realidade que deseja provar. A função de contar o tempo não importa mais, pois a temporalidade é mais do
que mostra os ponteiros. Torna-se uma
experiência maior, que envolve os sentimentos humanos de cada indivíduo.
No Trenzinho de
Mira Schendel, 1966, a contradição pode ser observada entre a delicadeza
estética e a força da mensagem ou entre a leveza do papel e o peso físico de um
trem. Segundo a historiadora da arte
Maria Eduarda Marques, as séries de trabalhos de Mira, nas quais surgiu esta
obra, representam uma intenção desmistificadora diante do mercado e da
institucionalização da arte. São trabalhos que descritos nas palavras da
própria artista, estão em oposição ao permanente e ao possível.
O Bicho de Lygia
Clark, 1960, obra que faz parte da série que inspirou Ferreira Gullar a desenvolver
a Teoria do Não Objeto - onde ele cita que não são quadros, nem esculturas, nem
objetos utilitários - está no conceito, pois é arte apesar de se realizar fora
do que é convencionalmente definido como artístico. Ela rompeu com a noção de
espaço pictórico e explorou a integração das obras com o espaço real. Revolucionou o antigo conceito de que as
obras de arte eram feitas apenas para a contemplação passiva, dando início a uma
forma de arte onde se exigia a participação do espectador.
Segundo o crítico
de arte Octávio Paz, na obra A Roda de Bicicleta de Marcel Duchamp, 1913, a
contradição surge como essência do ato
- “é o equivalente plástico do jogo das palavras: este destrói o
significado, aquele a idéia de valor.” Gratuitamente o gesto do artista criava
a obra de arte e, ao mesmo tempo, desfazia esta noção.
É curioso notar que se
levarmos em conta a origem da palavra arte -"ars" técnica ou habilidade -, é contraditório quando
artistas não usam suas aptidões técnicas para expressarem suas idéias. Mesmo as
possuindo eles preferem discutir outras questões, provocar outras reflexões.