“...e, ainda assim, esse
conhecimento não diminui em nada a impressão de estranheza. A teoria da
incerteza intelectual é, assim, incapaz de explicar aquela impressão.” Sigmund
Freud - 1919
Em seu ensaio DAS UNHEIMLICHE de 1919, Freud descreve
o “estranhamento” como percepção, um sentimento, um fenômeno. Em 1917 Viktor Chklavski publicou Iskusstvo kak priem, A Arte Como Processo,
onde cita o Ostranenie –
“estranhamento”. Provavelmente, apesar da proximidade temporal, eles nunca
souberam dessa afinidade. Ambos trataram da suspensão do sentido habitual de um
objeto. Ambos contribuíram para construção da ciência da estética e trataram o
procedimento estético como único; aquele que não se repete. Suas concepções
vigoram até a atualidade.
Em a Obra Aberta, Umberto Eco desenvolve a idéia que quem interpreta a
mensagem deve se questionar sobre a flexibilidade, potencialidades, códigos,
linguagem, entre outros. Seria a auto-reflexibilidade, que se manifesta quando
o destinatário volta à obra para (re)significá-la com sua própria visão de
mundo.
A esse efeito da comunicação
estética ele chama de “estranhamento”, efeito cujo objetivo é dar sensação do
objeto como visão e não como reconhecimento. Ele consiste em obscurecer a
forma, em aumentar a dificuldade e duração da percepção. A essência desse
fenômeno seria o emprego de um ponto de vista novo ou “estranho”, a respeito de
algo já conhecido, mas descrito como se fosse pela primeira vez. Entretanto,
para Umberto Eco a mensagem estética vai além da contemplação interpretativa.
Ela adquire um caráter inventivo, justamente a partir desse “estranhamento”.
O “estranhamento”
seria então esse efeito especial criado pela obra para nos distanciar em
relação ao modo comum como apreendemos o mundo e ela mesma, o que nos
permitiria entrar numa dimensão nova, só visível pelo olhar estético ou
artístico.

Na obra Os dois
convidados de Maurice Tabard, 1935, somos
apresentados a uma imagem abstrata com
características da abstração informal; com suas formas livres, irregulares e
imprevistas. Nesta técnica o fotógrafo
trabalhou com o efeito surpresa já que não tinha como controlar o resultado. Ao
apreciarmos essa imagem ela nos causa “estranhamento”, pois se não fosse o
próprio título sugerir dois objetos, o que teríamos visto? Como toda obra de
influência surrealista, traços do inconsciente surgem tanto em quem cria quanto
em quem aprecia.

Em a Distorção No.
40 de André Kertész, 1923, temos as sensações apreendidas nas salas dos espelhos
com as imagens que surgem desses reflexos. Atração muito comum em parques de
diversões antigos. Essa obra é o resultado de experiências do fotógrafo sobre as
formas geradas por esses espelhos. Também de inspiração surrealista, os reflexos
inusitados dessa obra - que faz parte da série de nus feita pelo artista - nos
transportam a outro lugar. As expectativas ao observá-la não correspondem ao senso
comum. Uma linguagem realista subverte a imagem real e a coloca em outra
posição.

Em qualquer dos
casos o “estranhamento” é essa forma singular de ver e apreender o mundo e
aquilo que o constitui. Neste ponto
encontramos as manifestações artísticas e seus procedimentos, desafiando e
transformando idéias pré-concebidas e introduzindo novas formas de expressão.
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